Resolvi dividir alguns apontamentos que fiz ao assistir a palestra "Segurança no parto" transmitida no Congresso Nascer Melhor, pelo obstetra Braulio Zorzella, porque foi uma palestra recheada de informações valiosas sobre o nascimento. Espero que gostem!
"Antes de 1990, o índice de mortalidade materno infantil era muito alta.
Com os avanços da medicina, surgiram dois grandes paradigmas com relação ao parto: "quanto mais rápido melhor" e "quanto mais limpo melhor".
Assim surgiram os antibióticos, a UTI neonatal, a anestesia, a cesariana, intervenções obstétricas, dentre outros.
As intervenções obstétricas surgiram visando acelerar o parto e diminuir os casos de sofrimento fetal causados por partos muitos longos (diminuir distócias causadas por tocotraumatismos - lesões decorrentes do parto - e hipóxias - diminuição do aporte de oxigênio - ocorridas intra útero).
Porém, nesse momento não se podia prever todas as consequências que essas intervenções poderiam causar.
Atualmente, com a tecnologia, se percebeu que acelerar o parto de todas as mulheres também poderia causar problemas.
Assim, um novo paradigma surgiu no século XXI: quanto mais oxigênio para o bebê, melhor!
Percebeu-se que cada binômio "mãe-bebê" é único. Na grande maioria dos partos, se o parto ocorrer naturalmente, sem intervenções, sairá tudo bem. Apenas a minoria dos casos é que irá requerer uma intervenção obstétrica para ajudar o nascimento. Porém, isso será avaliado caso a caso pelo obstetra, que terá que ter essa sabedoria de aplicar as intervenções obstétricas apenas quando realmente necessário.
Assim o paradigma "quanto mais rápido melhor" caiu por terra. Chegou-se à conclusão de que não se deve acelerar todos os partos, pois nem todos precisam disso. Nem todos precisam de antibióticos, tampouco nem todos precisam de cesariana. Tem que se observar caso a caso e a oxigenação do bebê, analisar o caso concreto. Já se avaliou que em muitos casos, o uso excessivo de ocitocina sintética pode, na verdade, diminuir a oxigenação do bebê, causando problemas, ao contrário do que se deseja.
O paradigma "quanto mais limpo melhor" também foi derrubado, tendo em vista que a esterilização do parto matava também as bactérias boas do organismo da mãe, modificando toda a flora natural que permitia com que o bebê auto regulasse sua imunidade, impedindo a produção de anticorpos. Um novo paradigma surgiu: "quanto mais "bactérias amigas" melhor".
Descobriu-se que o que diminui os riscos de infecção é a higiene pessoal e o saneamento básico.
Assim surgiu o parto humanizado, baseado nos seguintes paradigmas:
- Acompanhamento da gestante disponível 24h por dia (seja pelo SUS, convênio ou equipes particulares)
- Equipe multidisciplinar (composta por obstetra, enfemeira, doula, parteira, etc)
- Autonomia da mulher
- Segurança com fundamento na medicina baseada em evidências
Antigamente não havia cesariana eletiva (com hora marcada). A cesariana ocorria apenas intra parto (ou seja, quando um parto normal não ia bem, se recorria à cirurgia para salvar mãe ou bebê).
A cesariana eletiva na verdade se desprendeu da curva da normalidade.
Ela surgiu na década de 70, quando foram criados os convênios de saúde, que trouxeram as tabelas de preços por tipo de atendimento médico. Os obstetras conveniados perceberam que não valia a pena ficar horas em sobreaviso esperando um parto que poderia durar 12 horas ou mais, e ainda "acabar em cesariana". Assim, começaram a marcar as cesarianas eletivas, nos casos em que achavam que o parto normal poderia não dar certo. Ainda, muitas mulheres optaram pela cesariana eletiva tentando fugir da dor ou do parto praticado no século XX, recheado de violência obstétrica.
Nessa onda, houve uma epidemia de cesarianas desnecessárias no Brasil, por ser mais prático e rápido (vide texto "parto miojo" escrito pelo palestrante). Isso causou um grande número de bebês nascendo prematuramente, porque uma gestação que pode chegar até 42 semanas, mas as cesarianas estavam sendo marcadas para as 38 semanas de gestação, quando nem todo bebê estará "maduro" ainda, ou seja, pronto para nascer.
Pode-se dizer que o bebê está pronto para nascer quando a mulher entra em trabalho de parto. Fora do trabalho de parto, o bebê pode não nascer prematuro (abaixo de 37 semanas), mas nasce imaturo.
Além disso, criou-se maiores riscos para a mãe que passa por uma cirurgia de médio porte de forma desnecessária, o que acrescenta vários riscos de complicação decorrentes de uma cirurgia.
Sem falar na parte psicológica da mãe que não passa pelo trabalho de parto, não sente seu bebê chegando, então não produz os hormônios produzidos durante o trabalho de parto que avisam ao cérebro que o bebê nasceu. Essa mulher tem uma grande chance de ter uma desconexão em relação ao vínculo com o bebê.
Por isso algumas mães passam por uma lacuna de tempo para conseguir criar a conexão entre ela e o bebê, demorando um certo tempo para sentir que aquele bebê realmente nasceu dela. Essa desconexão com o bebê e a sensação de incapacidade de parir podem levar a uma depressão pós parto ou a dificuldades na amamentação.
O índice de não amamentação pós cesária eletiva é muito maior do que pós parto normal, em virtude da desconexão mãe e filho e em virtude da sensação incapacidade sentida pela mãe diante das dificuldades presentes na amamentação.
Existem 18 tipos de colágeno na espécie humana: geralmente as que tem o parto normal mais rápido e fácil possuem o colágeno mais frouxo. As que tem o colágeno mais rígido tem o parto mais "difícil". Mas mesmo a mulher que faz cesária, se tem o colágeno frouxo, não está protegida contra a queda da bexiga ou útero, porque é a gravidez em si que provoca essa queda.
"Quando a gente faz a cesária, temos que pedir desculpas ao corpo da mãe por estar fazendo, porque a gente vai ter que salvar aquele bebê. Porque, na verdade, o parto normal é 100% melhor pra mãe do que a cesária".
Com relação ao bebê: somente o bebê que nasceu após a mãe ter entrado em trabalho de parto é o considerado 100% maduro. Somente após o pulmão do bebê estar totalmente maduro é que é liberado no corpo da mãe uma substância surfactante, que desencadeia o trabalho de parto no corpo da mãe.
As pesquisas demonstram que os bebês nascidos por cesariana eletiva (ou seja, com data marcada) ficam 120 vezes mais na UTI neonatal do que os nascidos via parto normal ou cesariana intraparto, porque na verdade foram bebês que foram tirados da barriga antes do tempo, com 38 semanas, por exemplo, sem estarem totalmente maduros ainda.
inclusive o nascimento via cesaria marcada leva também a um maior numero de casos de bebês que terão refluxo gastroesofágico, por ter sido um bebê que nasceu antes do seu esfíncter esofágico gástrico estar totalmente pronto.
Os bebês tem mais intestino preso, mais cólica, mais dor abdominal, porque mielinização dos seus órgãos não se completou totalmente. A mielina é a bainha que recobre todos os nossos neurônios. É como se fosse os fios das casas, que são encampados por um plástico. Aquele plático é a mielina. Ela é responsável pela condução neuronal e também pelo funcionamento dos órgãos que trabalham de forma involuntária (ex: intestino, estômago). A mielinização termina de se depositar durante o trabalho de parto pelo "estresse" causado pelo próprio trabalho de parto, que é propositalmente estressante para o bebê (para o seu bem), e que vai liberar adrenalina, cortisol, serotonina, endorfina, diversos hormônios que serão liberados no bebê para ele acabar de amadurecer. Então, todos os órgãos que dependem de mielinização vão sair imaturos se o bebê não passar pelo trabalho de parto. Isso também repercute no desenvolvimento neuropsicomotor do bebê (capacidade de sentar, andar e falar), que também depende da mielina que recobre os nossos neurônios.
Sem contar que o contato do bebê com a flora da mãe é que causa um auto balanceamento das bactérias do bebê, que influencia a colonização das bactérias da flora gastrointestinal do bebê.
Além de tudo isso o trabalho de parto é benéfico para a parte imunológica do bebê.
A cesariana eletiva somente se justifica nos casos de: HIV positivo, herpes ativo (que podem passar para o bebê durante o trabalho de parto) e placenta prévia (quando a placenta fecha a entrada do colo do útero). Tirando esses 3 casos, todos os outros não justificam a cesária eletiva.
Bebês de mães diabéticas podem sofrer mais distócia, mas isso pode ser detectado durante o pré natal. E bebês que sofrem com a falta de oxigênio, em geral, estão ligados à placentas com insuficiência e isso tem a ver com hipertensão gestacional, o que também é identificado nas mães. Então, em geral, pode-se detectar com antecedência esses sinais que podem levar à cesariana intraparto, justificadamente."
Algumas referências 'biblioblográficas' para entender melhor os assuntos aqui abordados:
Indicações reais e fictícias de cesáreas
Assistência ao parto baseada em evidências
Aleitamento materno x cesáreas eletivas